Burguesia VS Operariado no Brasil (Des)Construções
Burguesia VS Operariado no Brasil (Des)Construções

INTRODUÇÃO

 

O século XX foi de grande relevância para o todo o mundo. O capital se globalizava, vultos históricos marcavam forte presença em diversos países, senão todos. Cada um destes vivenciando suas mudanças de acordo com suas condições e particularidades pertinentes ao seu contexto geopolítico e histórico social. No Brasil não foi diferente. O presente trabalho procura abordar questões significativas para a compreensão histórica do Brasil no período da Primeira República, basicamente as três primeiras décadas do século XX. Serão então apresentadas versões de três grandes estudiosos do assunto, que por sua vez muito se empenham nos quadros revisionais e reflexivos da historiografia brasileira, que a todo o momento se movimenta sem muito descanso. São estes: Renato Perissinoto, doutor em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas, pós doutor pelo Instituto Latino Americano, na Universidade de Oxford, tendo como linha de pesquisa às instituições políticas e elites. Seu livro, “Marxismo como Ciência Social”, recebeu o título de melhor obra científica, no ano de 2012, pela Associação Nacional de Pós Graduação em Ciências Sociais. Já a professora Angela de Castro gomes possui como linha de pesquisa a História política do Brasil e o Pensamento social brasileiro. É pesquisadora sobre as questões trabalhistas e legislação do trabalho no Brasil. Atualmente é Professora do CPDOC, onde também atua como uma das editoras da revista ‘Estudos Históricos’. Para finalizar a apresentação destes prestigiosos autores, temos Claudio Henrique de Moraes Batalha, historiador graduado pela Universidade Federal Fluminense, doutor pela Universidade de Paris. Seus estudos dão ênfase principalmente nos temas ligados às classe operarias e movimentos sindicais no Brasil da Primeira República. É também pesquisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, sendo atualmente professor da Universidade Estadual de Campinas.  Este trabalho encontra-se, principalmente, embasado nos estudos destes três autores.                                                                                                           

Burguesia VS Operariado

É evidente que os fatos que ocorreram no período do nascimento de uma classe operária bem como os vultos históricos que marcaram os conflitos em relação a classe burguesa são de muita relevância para compreender o processo da formação de uma classe trabalhadora no Brasil. É então necessária uma investigação minuciosa para esclarecer possíveis desentendimentos a respeito da inserção do operariado em uma sociedade governada pelo Estado, sendo este responsável  pelas demandas também da classe empresarial.

Segundo o autor Claudio Batalha, a formação da classe operária é frequentemente pensada como um fenômeno puramente econômico associado ao crescimento da Indústria. A exemplo, pode se verificar nas palavras de Petersen : “tomavam a classe como um efeito quase mecânico da estrutura produtiva.” Esta afirmação parece leviana se é considerado o fato de que o trabalho realizado por indivíduos não implicaria necessariamente um classe trabalhadora coesa e efetivamente estruturada. “São nesses processos que a classe como uma realidade histórica aparece, na medida em que os interesses coletivos se sobrepõe aos interesses individuais e corporativos.É então que podemos falar de formação de classe operária, não como um resultado mecânico da existência da indústria ou da abolição da escravidão, mas como um processo conflituoso, marcado por avanço e recuos, pelo fazer-se e pelo desfazer-se da classe, que surge na organização, na ação coletiva, em toda manifestação que afirma seu caráter de classe”(BATALHA, Cláudio). Diversos autores procuraram então analisar essas questões de um modo mais aprofundado e menos generalista.

Ainda segundo Batalha a composição étnica pode ser vista mais como um elemento de dissenso do que de consenso entre os trabalhadores. Há de se ressaltar o quanto os conflitos étnicos foram importantes no que se referem às dificuldades da organização efetiva da classe operária no Brasil. O operariado nativo não raramente se atritava com os imigrantes que compunham boa parte da classe operária no Brasil, principalmente no final do século XIX. Também cabe mencionar que os próprios imigrantes reservavam certas hostilidades uns aos outros, tanto de países distintos, tanto de um mesmo país, sendo determinadas regionalidades motivos de disputas e fragmentações, como no caso dos italianos.

Outro fator que ajuda-nos a explicar sobre estas divergências do movimento operário são as diferentes visões no que tange ao comportamento ideológico do operariado. Anarquistas e comunistas marcavam forte presença no âmbito sindical. Os primeiros criticavam os comunistas devido principalmente ao contexto político do Brasil onde os trabalhadores ainda não possuíam quase nenhuma influência sobre as questões políticas e partidos. Acreditavam que sua luta era na organização forte dentro do sindicato visando combater os abusos patronais. Já os Comunistas adquiriram muita força a partir de 1917, devido a Revolução em andamento na Rússia, sendo influenciados pelos ideais leninistas-marxistas.

Em relação aos setores empresariais, se fez presente os conflitos tanto entre as fragmentações dentro da classe, como também entre a burguesia e o Estado. Este pode-se dizer que apresentou um comportamento conciliatório entre a classe operária e o empresariado, mas longe de tal afirmativa corroborar a ideia de ausência de autonomia ou interesse, e sim por que tal práxis estatal era necessária para a sua própria manutenção política. Por outro lado, os empresários procuravam se organizar na tentativa de frear um intervencionismo estatal que lhes fossem prejudiciais. Segundo Ângela de Castro Gomes: “se trata de evitar os excessos do intervencionismo estatal traduzidos numa regulamentação inoportuna por sua abrangência e falta de gradualismo.” Pode se entender então que os membros dos setores dominantes buscavam por meios de suas articulações com o Estado, benefícios em que se empenhavam argumentar como legítimos de suas classes. Era também frequente em suas relações, o empresariado espertamente buscar exercer um bom nível de influencia política baseado claro em interesses econômicos. Ainda segundo Ângela: “afirmava-se igualmente o quanto a boa vontade patronal, no que se referia à criação de benefícios para o operariado, deveria ser recompensada com uma política governamental favorável a seus interesses tarifários, creditícios, etc. Assim, o empresariado articulava as duas questões cruciais de sua agenda política, barganhando o ônus da legislação social por ganhos na legislação tarifária.”

Cabe destacar, sob estes aspectos o papel representado pelo Estado, que assim como nos movimentos sociais, o setor da classe dominante também apresentava sérias disputas internas ou até mesmo conflitos Inter- oligárquicos, que por sua vez dificultavam a manutenção dos interesses desta classe. O Estado não pode ser compreendido como um mero apêndice da sociedade, e muito menos como um conciliador por fraqueza ou omissão. Compreendendo estes fatores, é possível entender que o Estado assume papel de destaque, onde devido a inúmeras demandas, incluindo o caráter heterogêneo das classes dominantes, assume função reguladora para justamente assegurar a manutenção dos princípios liberais. A própria ideia de progresso econômico encontrava firme relação com a prática do intervencionismo Estatal.

Sobre as questões referentes a classe dominante no Brasil, Renato Perissinoto propôs um estudo mais aprofundado, que sem desconsiderar o trabalho de outros pesquisadores sobre o tema, procurou analisar este a partir de uma perspectiva mais ampla. Em suas palavras: “expressões como burguesia cafeeira, oligarquia paulista ou fazendeiros de café são amplamente utilizadas para se referir ao setor dominante da economia agroexportadora. O uso de tais termos não evidencia, necessariamente, descuido ou falta de rigor por parte dos estudiosos que os utilizam, mas, isto sim, expressa uma compreensão unitária daquela classe”.

Para ser compreendida, a classe dominante necessitava de um reconhecimento do fato de esta ser bastante diversificada. A própria burguesia industrial pode-se dizer que fazia sim parte do setor agrário-exportador, mas não necessariamente estava vinculada em todos os aspectos. “Para se entender o acirramento dos conflitos políticos na década de 1920, é preciso introduzir na análise a variável ‘Estado’ indo além dos conflitos entre as frações da classe dominante” (PERISSINOTO, Renato). Portanto não se deve analisar esta classe sem levar em consideração as diversas frações da mesma, que por muitas vezes parece perene e uniforme devido a nomenclaturas e definições generalizantes.

 Para o autor Maurício Font a década de 1920 representou o momento em que as cisões no interior da elite paulista se aprofundaram. Contudo, Perissinoto salienta que este fracionamento era anterior a década de 20, ocorrendo desde o inicio da republica Brasileira. Em suas palavras, verifica-se: “Os conflitos em torno da formulação política econômica, no interior das organizações políticas, aqueles expressos na proliferação de organizações de caráter corporativo, o desenrolar da batalha ideológica, o avanço do aparelho estatal sobre a economia cafeeira, tudo isso nos revela uma classe dominante significativamente fracionada no nível econômico, longe da coesão suposta pelo conceito de ‘capital cafeeiro’, gerando manifestações diversas nos níveis políticos e ideológicos”.

Outro aspecto de suma importância para a análise das classes dominantes são as disputas entre os grandes latifundiários dos centros urbanos e os fazendeiros do interior. Estas posições distintas geraram diferentes reinvindicações. Evidentemente baseada em concepções e interesses distintos. Os proprietários de terras das zonas urbanas mantinham estrita ligação com atividades industriais, sendo estes muitas vezes donos de bancos e até mesmo dessas próprias indústrias. “O grande capital cafeeiro consegui ter a sua posição privilegiada no interior dessa sociedade sistematicamente reproduzida, ao passo que a lavoura nunca conseguiu impor suas reinvindicações básicas, cujo efeito seria livrá-lo da sua submissão ao capital, negando pois, a tese da hegemonia dos fazendeiros no sentido estrito” (PERISSINOTO, Renato.) Dessa forma, percebe-se claramente o quão são complexos os assuntos no que tange ao estudo das classes dominantes no Brasil.

Para concluir é pertinente observar que o Brasil como Nação é construído através destas contradições que acabam por gerar novos desdobramentos, tanto na vida cultural, através das mentalidades de seu povo, tanto em suas questões políticas e sociais, dando origem a inúmeras reinvindicações que visassem salvaguardar seus interesses. Tanto as classes trabalhadoras, como as classes dominantes não mais podem ser vistas em suas supostas homogeneidades de comportamento. Suas lutas e disputas estão presentes nos seus próprios partidos, sindicatos, organizações patronais e o Estado. É importante compreender os dois lados da história, pois segundo o historiador Perry Anderson a história de “baixo” precisa da história de “cima”, o qual uma sem a outra se tornaria versão unilateral. É então preciso uma abordagem mais ampla para que não se cometam equívocos de generalizações e precipitações, pois a história sendo ciência é dinâmica e mutável. Afinal, são simplesmente versões.

 

Por, Rafael Sarmento.

 

REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS

BATALHA, Cláudio (Formação da classe operária e projetos de identidade coletiva).

GOMES, de Castro Ângela (A República não oligárquica e o liberalismo dos empresários).

GOMES, de Castro Ângela (Cidadania e direitos do trabalho).

PERISSINOTO, Renato (A década de 1920 e as origens do Brasil moderno).